A Belchior

CLAUDIO S. SAMPAIO

 

Ouço tuas canções

e penso um nome:

Santiago de Compostela.    

 

Eras, de fato, um homem

incognoscível. Infatigável

companheiro do vento

gostavas do cheiro do mar

eras amante dos Beatles, do Blues,

da América Latina, e às vezes

te deleitavas com a musicalidade álacre

dos pardais que debruçavam nos desvãos

das manhãs em tuas janelas

alumbradas.    

 

Conhecias os sortilégios do amor

e a dor guardada

dos suicidas. Com Dante

discutias a nulidade da coisas, os arcanos

da metafísica, os imperativos

da ética e a bifurcação dos caminhos. Sabias

do secreto caminho e da escadaria

das beatitudes e danações

anunciadas nos pergaminhos. Com Heidegger 

confrontavas  a casuística do amor

e em manhãs de frio e de vento

te afligias com a percepção nostálgica

de teu próprio existencialismo reticente.    

 

Menestrel, poeta

oráculo, sonhador 

ou homem triste? O que sei

é que cantavas a melancolia

das ruas, teu tédio, o açoite

do medo, as dores sem remédio

dos desamados, a ternura

dos subúrbios e a intensidade

dos homens algemados 

à sua pressa

e a seus jornais.    

 

Mas te viste, de repente

o coração fatigado

abscôndito ante a clepsidra

os olhos em arremesso 

para o infinito.    

 

 

E era tudo tão vasto:  As vozes

da avenida, as cores da alba

os sons da noite

em esvaimento...

 

Era sessenta

- exatamente sessenta -

a soma de teus anos.

 

E ainda nem sabias

da musicalidade oculta

na pulsação secreta das estrelas, da soma

das constelações, da heurística

de Nielsen (este aríete indômito 

demolindo muros  de separações).     

 

E de onde nascia 

esta névoa, com sua fúria

sobre teus cabelos e assomava 

imperceptível como uma sombra

sobre o fogo de tua íris? E para

onde fugirias com tua consciência

no instante em que teu corpo

alquebrado sob o fardo dos outonos

com toda a soma de teus gestos

memórias, devaneios mergulhasse

nos ocultos labirintos do sono?    

 

De repente

já era sessenta

- exatamente sessenta -

a soma de teus anos!

(E vias, maior ainda

a soma dos enganos).    

 

Então se deu o acontecido.

Abria o dia 

com suas asas acesas, quando

despojado de tua música

de tua fúria

e de teu blusão de couro

desceste  a escadaria. Tinhas 

a fleuma icônica

de um cenobita.

 

E do arabesco das sombras 

te lançasteo

contra o acre  dos gases

argonauta súbito

com teu bigode impávido

guiando as frotas 

do descobrimento.    

 

E desde então

já não envias tuas cartas

já não leio teus poemas      

 

Mas dizem que, em desapego

te deleitas ante a placidez de um mar

nalgum secreto recôndito

de um secreto país lunar.    

 

E era sessenta 

- exatamente sessenta -

a soma indefectível

de teus anos.    

 

[Taiobeiras, MG- 02/02/15]

  • Autor: Claudio Sampaio (Seudónimo) (Offline Offline)
  • Publicado: 15 de marzo de 2017 a las 00:26
  • Comentario del autor sobre el poema: Homenagem ao cantor Belchior, desaparecido
  • Categoría: Reflexión
  • Lecturas: 24
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